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A polêmica aula de religião


Apesar de o Brasil ser um país laico, tanto a Constituição quanto a LDB possuem artigos que garantem o ensino religioso na rede pública.
 Por Estado laico entende-se independente de toda confissão religiosa, ou seja, não há controle ou influência (pelo menos não deveria haver) de qualquer religião. A laicidade do Estado no Brasil é garantida oficialmente desde a Constituição Federal de 1891 quando o País ainda era chamado de República dos Estados Unidos do Brasil. Mas, se a lei determina este caráter do Estado, por que o ensino religioso é disciplina obrigatória da educação básica?
Esta é uma pergunta para a qual ainda não há resposta. É um assunto com pontos nebulosos, incoerências e controvérsias. Dizem que religião, política e futebol não se discutem, porém quando é a educação pública que está envolvida, não podemos fugir da briga. Da legislação aos materiais didáticos, não existe consenso sobre o ensino religioso. Vamos nesta reportagem buscar entender um pouco mais por que ainda se aprende religião na escola e como os livros usados trazem este conteúdo.
A oferta do ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental como disciplina obrigatória, porém de matrícula facultativa, é garantida atualmente pelo 1º páragrafo do artigo 210 da Constituição Federal de 1988 e pelo artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional nº 9.394/96, alterado pela última vez em julho de 1997, pela lei nº 9.475. Apesar de se constituir “disciplina dos horários normais”, cabe aos sistemas de ensino (municipais ou estaduais) e não ao Ministério da Educação definir o conteúdo do ensino religioso, bem como as regras para habilitação e admissão dos professores. Os docentes fazem parte do quadro regular da instituição e, consequentemente, são mantidos com dinheiro público. Até 1996, a LDB trazia que o ensino religioso deveria ser oferecido “sem ônus para os cofres públicos”.
Entretanto, segundo Luiz Antônio Cunha, coordenador do Observatório da Laicidade do Estado e membro do Conselho Nacional de Educação, este texto foi alterado da LDB em 1997, às vésperas da visita do papa João Paulo II ao Brasil, no contexto de uma forte pressão do alto clero católico. Isto já havia acontecido também na primeira LDB, em 1971, no auge da ditadura militar quando um arcebispo era membro do Conselho Federal de Educação e prestava importantes favores ideológicos ao governo. “No meu entender, a supressão foi escandalosa, porque abriu espaço para a negociação entre os bispos e os governadores e prefeitos para a remuneração dos agentes do ensino religioso nas escolas públicas”, enfatiza Cunha.
O texto sobre o caráter do ensino religioso também foi modificado. Até 1996, a LDB previa a disciplina nas modalidades confessional e interconfessional. A partir de 1997, qualquer definição relativa ao conteúdo ficou a encargo dos sistemas de ensino. Esta nova redação do artigo 33 da LDB também instituiu que no ensino religioso seja “assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo (doutrinação)”. Porém na prática não é o que acontece, já que alguns Estados brasileiros adotam a modalidade confessional, proselitista por definição, e outros a interconfessional, que também não é livre de confessionalidade. “A LDB diz que o ensino religioso não pode ser proselitista. O primeiro desafio é a definição de como se pode ter um ensino confessional, sobre qualquer matriz religiosa, e a proibição do proselitismo. O ensino religioso em um país laico tem que ser secular, tem que ser história, filosofia, sociologia das religiões”, afirma Debora Diniz, professora da Universidade de Brasília e uma das autoras do livro Laicidade e ensino religioso no Brasil. Cunha, por sua vez, acredita que as duas modalidades de ensino religioso são proselitistas. “O ensino religioso confessional é explicitamente proselitista e o dito interconfessional é dissimuladamente proselitista, já que toma como referência um repertório de crenças de uma tradição e descarta outras.”
Inconstitucional?
Por causa da evidente contradição entre o caráter laico do Estado previsto pela Constituição e as modalidades ministradas de ensino religioso, a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, entrou no final de julho com uma ação indireta de inconstitucionalidade (ADI 4439), enviada ao Supremo Tribunal Federal, pedindo a interpretação de normas para deixar claro que “o ensino religioso em escolas públicas só pode ser de natureza não-confessional, com proibição de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas”. Além do artigo 33 da LDB, na ação a vice-procuradora solicita também que seja revisto o acordo do Brasil com o Vaticano (Decreto 7.107/2010), em que no artigo 11, parágrafo 1º, consta o ensino “católico e de outras confissões religiosas”.
Deborah Duprat afirma no documento que as leis vigentes têm sido interpretadas como se fossem compatíveis tanto com o ensino religioso confessional quanto interconfessional. “Na prática, as escolas públicas brasileiras, com raras exceções, são hoje um espaço de doutrinamento religioso, onde, por vezes, os professores são representantes das igrejas, tudo financiado com recursos públicos”, traz um dos trechos da ação. Para a vice-procuradora, a única forma de compatibilizar a laicidade do Estado com o ensino religioso nas escolas públicas é por meio de um conteúdo que consista na exposição das doutrinas, das práticas, da história e de dimensões sociais das diferentes religiões – bem como de posições não-religiosas, como ateísmo e agnosticismo – sem qualquer tomada de partido.
Para Vanderlei de Barros Rosas, coordenador pedagógico e orientador educacional do Colégio Estadual Brigadeiro Schorcht, do Rio de Janeiro, que possui ensino religioso no currículo do ensino médio, essas questões poderiam ser abordadas como tema transversal por diferentes matérias, como História, Filosofia, Geografia e Língua Portuguesa. Mesmo sendo pastor batista e apesar de já ter sido professor de ensino religioso, Rosas é contra manter a disciplina nas escolas públicas. “Ensino religioso tem que ser dado em uma instituição chamada família. A escola está sobrecarregada por uma série de competências que deveriam ser de outras instituições”, justifica. Luiz Antônio Cunha também concorda que este domínio diz respeito à família e às entidades religiosas. “A escola pública deve ficar livre desse encargo, já que ela jamais fará isso com equidade diante das diversas crenças, assim como da não crença religiosa, que tem direito garantido na Constituição.”
Materiais didáticos
A falta de equidade na abordagem das diferentes crenças existentes fica evidente na análise dos materiais didáticos voltados ao aprendizado religioso. No livro Laicidade e ensino religioso no Brasil, originado a partir do projeto “Livros didáticos de ensino religioso e diversidade cultural”, patrocinado pela Unesco, a presença das religiões cristãs é muito superior às outras manifestações religiosas. Enquanto nos 25 livros analisados conteúdos (textos, imagens, símbolos, etc) relativos às doutrinas cristãs aparecem na proporção de 65%, as religiões afro-brasileiras ficam com apenas 3% das menções. “O que mostramos é que há o que nós chamamos de etnocentrismo cristão, essencialmente católico, ou seja, religião é um fenômeno católico cristão. E a diversidade da cultura brasileira praticamente não existe”, explica Debora Diniz sobre os resultados da pesquisa.
Mesmo sem conhecer a publicação, porém já ciente desta realidade, a professora de História do ensino médio e superior do Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia de Sergipe e do curso de Pedagogia da Faculdade Amadeus, de Aracaju (SE), Cristiane Montalvão Guedes, estimula seus alunos a produzirem materiais com conteúdos sobre as religiões afro-brasileiras. “As religiões afro-brasileiras, a umbanda, o candomblé, vêm com toda aquela carga negativa, preconceituosa. Procuro orientar meus alunos a tentarem escrever paradidáticos do ensino fundamental sobre a religiosidade negra, até para criar a própria identidade”, explica.
Como estes materiais didáticos não precisam passar pela aprovação do MEC, os conteúdos ficam na responsabilidade dos sistemas de educação que selecionam os livros e das editoras que os produzem. Para a publicação Laicidade e ensino religioso no Brasil, foram analisados livros de editoras seculares e religiosas. Apesar de a maioria também possuir obras didáticas já aprovadas pelo MEC, os mesmos critérios gerais que deveriam ser respeitados nestas publicações nem sempre são seguidos, como não conter discriminação, homofobia, etc. “Estas editoras já sabem as regras do jogo (...) a pergunta é por que então permitem a publicação de livros que fogem a estes parâmetros de avaliação, a estes critérios de julgamento?”, indaga Debora Diniz. A pesquisadora também acrescenta que as obras disponíveis não promovem o que o livro didático tem por obrigação transmitir: igualdade, justiça, pluralismo e respeito. “O primeiro ponto para nós é que se ao analisarmos os livros de ensino em geral, livros didáticos avaliados pelo MEC, não encontramos estes equívocos é que o MEC tem um papel importante na avaliação do livro didático.” Dos materiais utilizados à forma do aprendizado, o ensino religioso no Estado laico brasileiro ainda é um emaranhado de contradições e interesses que parece estar longe de ser desemaranhado.

Matéria produzida pela revista Profissão Mestre. Para saber mais, acesse o site da Profissão Mestre .

  10/08/11 às 00:29  |  Yannik D’Elboux, da revista Profissão Mestre para o Bem Paraná


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